16 outubro 2007

As botas

Em pequena usava botas ortopédicas. Chorava porque queria sapatos com laços, como as outras meninas da minha idade. Mas não podia usar. Tinha de me contentar com as minhas botas feias, que não me embelezavam os pés pequeninos, mas, em compensação, me davam algum poder. Um dia, no meio de uma birra, ameacei partir o carro do meu pai, um Toyota Corolla verde água, com as minhas botas ortopédicas! Acho que nunca ultrapassei o trauma. Ainda hoje não sei andar bem, não sei caminhar como as mulheres elegantes que passam por mim na rua. Parece que flutuam em cima dos seus sapatos de salto alto. Adoro vê-las deslizar. Não sei como conseguem, especialmente nos passeios escorregadios. Nunca erram o passo, um a seguir ao outro. Eu tenho dores nos pés e nas costas sempre que tento colocar-me dentro de calçado elegante. Sou desengonçada, ridícula.
Apesar da idade, pressinto que nunca vou aprender a viver dentro deste corpo que me envergonha. Ou talvez me aperceba, finalmente, que nada disto tem qualquer importância.